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O futuro da Psicanálise e o mundo em que vivemos

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Recentemente comemoramos os 50 anos da Associação dos Membros Filiados, integrada pelos analistas em formação no nosso Instituto. Foi um dia de festa, apesar de não contar com os abraços e brindes. Tive o prazer e a honra de participar do debate cujo título foi: O futuro da Psicanálise, com o querido Marcelo Viñar psicanalista, pensador e uma liderança da psicanálise latinoamericana, assim como com Gizela Turkiewicz, presidente da AMF e que contou com a coordenação da Cibele Rays.

Pertencemos a gerações diferentes e ao mesmo tempo compartilhamos o espaço-tempo presente, isto reflete a nossa perspectiva da vida institucional, pois não vejo outro caminho para o futuro da psicanálise que aquele a ser construído no entrelaçamento e parceria entre as gerações, entre as rugas e cicatrizes da experiência e maturidade, com as percepções, vigor , contribuições, críticas e sonhos acalentados pelas novas gerações.

Há anos me interesso e acompanho estudos sobre a história da psicanálise e suas instituições, seus diferentes modelos clínico-teóricos, os embates sobre a formação, muita tinta foi derramada em torno destes desafiadores assuntos. Considero que a perspectiva histórica-crítica retomada geração após geração, constitui um verdadeiro anticorpo, uma vacina (em tempos de Covid-19…) contra o pensamento dogmático e a ideia de que certas teorias ou modelos deteem a verdade última em contraposição ao pluralismo inerente ao nosso campo.

Recentemente li uma curta e impactante crônica do jovem e já consagrado escritor Julian Fuks: “No tempo da morte, a morte do tempo”, ficção necessária para dar conta do mal-estar real ao qual estamos submetidos em face à pandemia. Destaco uma imagem, fotograma pregnante 2 que alude a um inchaço do presente como se seu vulto engordasse tanto que ocultasse e bloqueasse a visão do futuro.

Com menos poesia que o meu escritor escolhido dei sequência associativa a esta imagem e brotou em mim o desejo de perfurar esse vulto agigantado de modo a recuperar a perspectiva temporal que tinha sido anulada. É isso que muitas vezes fazemos no processo de acolher a angústia avassaladora dos nossos analisandos quando algo que podemos imaginar, intuir, dizer ou sinalizar desanuvia a penumbra que assola o eu.

Ao olhar para a história de nossas instituições, para os processos de formação e participação na comunidade, para a inserção da psicanálise no mundo em permanente e desconcertante transformação, acredito ser necessário recuperar a perspectiva histórica-temporal, espetar a bolha do absoluto e avassalador presente pois ela poderá balizar o movimento e mobilidade necessários para não sucumbir à nostálgica idealização ou apego ao já conhecido, ao aparentemente seguro, mas não por isso menos defensivo da tradição.

Foi por isso que batizamos nosso II Simpósio Bienal da SBPSP, que acontecerá este mês, com a título, Fronteiras da Psicanálise: A clínica em movimento. Fronteiras móveis, mundo em permanente transição, subjetividades em transformação demandam uma clínica viva, em movimento e uma formação analítica à altura destes desafios.

Lembremos com Agambem da importância de não sucumbir de modo fusional e indiscriminado ao presente, de reconhecer sua opacidade, a nossa perplexidade e estrangeiridade para desse modo sim sermos contemporâneos. Perplexidade e estrangeiridade tão preciosas à psicanálise ancoradas na ideia do inconsciente na irredutível alteridade em face ao Outro.

Vivemos um presente sem narrativa, já sinalizado há décadas por Walter Benjamim, tomado por identificações e discursos alienantes. Presente dominado por uma ditadura da imagem, do imediato, por palavras de ordem, sofismas ou por um minimalismo de caracteres cifrados que incentivam o ódio e a intolerância; por uma urgência voraz que destrói o pensamento e quantifica ou melhor precifica a dor da perda ou morte. A história, a análise crítica, os argumentos e a busca do conhecimento têm sido muito maltratados e ignorados ultimamente!

Para Benjamin, a reflexão sobre a transmissão se torna essencial em oposição a uma concepção da tradição como uma continuidade canônica. O processo de transmissão faz parte integrante da “tradição”, e esta deve ser consequentemente desconstruída e interrogada.

Cabe-nos imaginar e criar o futuro da nossa disciplina, e não assistir melancólica e passivamente às catástrofes vindouras que muitos anunciam.

*Bernardo Tanis é psicanalista, doutor em Psicologia Clínica. Presidente da SBPSP.

Crédito: Gelgas Airlangga



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