Big Little Lies – a grande mentira sobre as mulheres
Home Blog Artigos Big Little Lies – a grande mentira sobre as mulheres*Marielle Kellermann
Big Little Lies é uma série de uma temporada com 7 episódios produzida pela HBO. Baseada em um romance de mesmo nome da escritora australiana Liane Moriarty, estreou em fevereiro de 2017 e já recebeu ótimas críticas e apreciação do público.
Resumindo de forma rápida, a série começa com um assassinato e se desenvolve com uma trama bem desenhada até o desfecho, quando o espectador descobre quem morreu e quem é o assassino.
Esse é o fio que alinhava cenas repetidas de mães levando seus filhos à escola passando por pontes suspensas em uma pequena e rica cidade da Califórnia. As personagens principais são mulheres que se conhecem por terem seus filhos estudando no mesmo colégio. Reese Witherspoon e Nicole Kidman estão entre as estrelas da série.
As cenas de início de cada episódio são repetidas, mas nem por isso são monótonas. Aliás, talvez por essa razão, carregam cada vez mais em certa tensão que se desfaz apenas no final. Mães em seus carros, levando seus filhos à escola pela manhã, por vezes absortas em pensamentos. Em outros momentos, tentando, em vão, fazer contato com filhos que prestam mais atenção em seus celulares, fones de ouvido e Ipads, as personagens vêm e vão por sobre pontes elevadas na costa do Pacífico. Um vento constante sopra, dando a impressão de que estão todo o tempo à beira de um precipício.
De início o espectador se vê diante de mulheres com as quais é difícil empatizar, pois elas rivalizam entre si, boicotam a festa de aniversário de uma criança só porque não gostam da mãe dela, tomam seus maridos por confidentes de sua competição, invejam e odeiam umas às outras.
Uma personagem sofre por ser uma profissional de sucesso e exagera na decoração e lembrancinhas da festa da filha por temer que as outras mães a considerem relapsa por trabalhar. Outra abandonou uma carreira exitosa e tenta, sem sucesso, convencer-se de que ser exclusivamente mãe e esposa é suficiente. Uma outra tem um caso em segredo com um colega de trabalho e vive uma batalha permanente com o ex-marido e a atual esposa dele, com quem a filha adolescente parece ter mais proximidade e mais afeto. Outra personagem central na trama é uma mãe vítima de estupro que vive o conflito de ver em seu filho a violência do pai/ agressor.
Nicole Kidman ganhou o Emmy e o ator que faz seu marido também levou o prêmio como coadjuvante, não sem mérito. Ambos fazem um casal cuja relação violenta e abusiva se mescla à quase perfeição de suas belezas, das roupas, dos filhos gêmeos e da casa à beira-mar. A personagem de Nicole Kidman maquia os hematomas no corpo e esconde as dores da relação violenta mantendo uma visão idealizada que todos têm de sua família.
A personagem que foi estuprada costuma correr pelos penhascos à beira-mar, flertando com um possível suicídio – a ideia de que todas podem cair a qualquer momento está sempre presente -, mas uma cena simples parece fundamental para mostrar sobre o que fala Big Little Lies. Essa personagem, mãe, jovem, solteira, vítima de um estupro, corre sempre sozinha. Mas, a partir do momento em que faz amizade com outras duas personagens (Nicole Kidman e Reese Witherspoon) e passa a correr acompanhada, com uma amiga de cada lado, ela não parece mais que pode cair.
Sem spoilers para o final da trama, a descoberta sobre quem morre e quem mata parece nos contar de que grande mentira a série trata. As pequenas mentiras fazem parte das histórias pessoais de cada mulher, a violência, a insegurança, um amante, mas a real big lie talvez seja a ideia – criada, vendida, anunciada – de que elas são rivais, de que estão umas contra as outras, de que se ameaçam.
A última cena se dá na praia, as personagens estão juntas, os filhos brincam. Talvez a maior mentira seja a de que mulheres não podem se apoiar, se admirar, se ajudar. Big Little Lies é, afinal, uma série delicada, bem feita, bem produzida e que, longe de estereótipos feministas ou ideias militantes, conta uma nova versão sobre possíveis relações entre mulheres, que talvez não seja uma versão contada por homens.
Pois como diz Rosa Montero em “A Louca da Casa” (2003): “(…) à medida que nós, mulheres romancistas, formos completando essa descrição de um mundo que antes só existia em nosso interior, tornamos esse mundo um patrimônio de todos.”.
*Marielle Kellermann Barbosa é membro filiado ao Instituto da SBPSP, editora da International Psychoanalytical Studies Organization e fã de carteirinha de séries boas.