Ser mãe é uma realização para a mulher, mas não é a única
Home Blog psicanálise de família Ser mãe é uma realização para a mulher, mas não é a únicaSerá que a maternidade significa o auge da realização na vida de uma mulher? Em entrevista à Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, a psicanalista Leda Maria Codeco Barone fala desse momento bastante particular no universo feminino, do empoderamento e luta que os métodos de controle da gravidez e a liberação sexual trouxeram às mulheres, além da legítima decisão de não ter filhos.
Ser mãe ainda é, do ponto de vista da sociedade, a maior realização na vida de uma mulher?
Creio que essa ideia vem mudando ao longo do tempo. O advento da pílula anticoncepcional na década de 60 do século passado incrementou o movimento feminista no sentido de levar a mulher a se apropriar melhor de seu corpo e de sua sexualidade, bem como a encontrar lugar social diferente daquele vivido por suas mães e avós. Hoje, a mulher reivindica de forma mais contundente lugar nos bancos universitários e acesso a carreiras profissionais antes destinados apenas aos homens. Se antes a vida sexual das mulheres se atrelava de forma mais estreita à maternidade, pela dificuldade de controlar ou postergar a gravidez, na atualidade, a mulher pode mais facilmente escolher se quer ser mãe e quando.
Outro fator decisivo no assunto está relacionado às novas formas de procriação assistida: inseminação artificial, congelamento de óvulos e esperma, fertilização in vitro, banco de embriões, etc. Essas formas atestam que a mulher coloca outras maneiras de realização pessoal antes da maternidade, inclusive a de não ter filhos.
Embora esse movimento de liberação da mulher seja um fato, ele é diverso nas diferentes camadas sociais e religiosas e, como movimento, ainda enfrenta resistência e luta.
Os motivos exposto acima – liberação da sexualidade da mulher, maior preparo e conquista de novos espaços no mundo do trabalho, aliados aos novos modos de concepção – mostram que a maternidade é uma importante realização da mulher, mas não a única.
As pessoas costumam exaltar o lado bom da maternidade, mas alguns aspectos como o momento de tensão no relacionamento do casal, a dificuldade de conciliar vida profissional e pessoal e o extremo cansaço são subestimados na fase de espera e a mulher só se depara com a intensidade dessas emoções quando já está com o bebê. Como as mulheres têm lidado com isso? E os homens? Que papel eles têm desempenhado para ajudar as mulheres com a maternidade?
Apesar de a decisão de ser mãe ou não, ser uma prerrogativa da mulher, uma vez que na atualidade há a possibilidade de maternidade sem paternidade, ou seja, do recurso à inseminação artificial valendo-se de bancos de esperma, o projeto de ter um filho inclui, mesmo que imaginariamente, a participação do pai.
Acho importante aqui lembrar a contribuição de Winnicott que, embora seja considerado pioneiro na discussão da importância da maternidade para o desenvolvimento emocional primitivo do bebê, reconhece um papel fundamental exercido pelo pai. Para o autor, o pai é necessário em casa para ajudar a mãe a “sentir-se bem em seu corpo e feliz em sua mente” além de fornecer à mãe um suporte moral que a ajuda em sua função com os filhos. Nesse sentido, a acolhida e apoio do pai é essencial à mãe no cumprimento da maternidade. Mulheres que não contam com esse apoio sentem-se desprotegida além de exauridas em meio às exigências e sobrecarga desse momento.
Há uma contradição também no discurso moderno em relação aos papeis da mulher e à maternidade. Por um lado, a sociedade pede uma mulher forte e batalhadora, capaz de prover a prole ou contribuir com o parceiro nessa tarefa, mas também valoriza a mulher que acompanha de perto o crescimento dos filhos. Isso traz alguma consequência para a mulher nessa fase?
Realmente a jornada da mulher que assume ao mesmo tempo a maternidade e a carreira profissional é dura, cansativa e de extrema exigência. A mulher fica dividida entre a maternidade e a vida profissional, assumindo tripla jornada de trabalho: cuidar da carreira, dos filhos e da casa. Tal exigência requer um equilíbrio muitas vezes impossível de se alcançar e pode ter como consequência a negligência de uma ou de outra dessas atribuições. O abandono das aspirações profissionais poderá ser fonte de muitas frustrações no futuro assim como a negligência dos cuidados maternos enchem a mulher de culpa e pode trazer consequências na educação e cuidado com os filhos.
O trabalho para a mulher na atualidade não é somente uma questão de realização pessoal, mas uma necessidade para o sustento da família, visto que em muitas delas, a mulher assume o lugar de mantenedora única ou contribui de forma decisiva em sua organização econômica.
No entanto, ainda que de forma tímida, assistimos a uma transformação na divisão do trabalho doméstico e do cuidado dos filhos. No tempo de nossos pais e avós era inconcebível o pai dar banho, trocar fraldar ou alimentar seus filhos. Tais tarefas eram exclusivas das mães, muitas vezes ajudadas por outras mulheres da família, avós, tias ou mesmo babás. As novas configurações familiares e o incremento da participação da mulher no mercado de trabalho têm levado casais mais jovens a dividirem melhor o cuidado dos filhos, o que, sem dúvida, é saudável para todos.
E a decisão de não ser mãe? É cada vez mais comum, mas parece também um ato de coragem. Que desafios a mulher que toma essa decisão deve enfrentar?
Creio ser legítima a decisão de não ser mãe, da mesma forma que legítima é a de ser. A mulher de hoje, pela facilidade no controle da gravidez e por sustentar outros ideais diferentes da maternidade, pode tranquilamente optar por não gerar um filho. Lembremos que Freud, discorrendo sobre a sexualidade infantil coloca no centro da resolução edípica, a castração. Assim, enquanto o medo da castração serve ao menino como motivo para desistência de seus intentos incestuosos em direção à mãe, para a menina a castração a introduz na vivência edípica. Por se sentir em falta, pela ausência do pênis, a menina vai em busca do pai, do pênis do pai, de um filho do pai e, finalmente de um filho que possa completá-la. Nesse deslizamento entre o desejo do pênis para um filho, outros deslizamentos são possíveis como o trabalho, a ciência ou a arte.
Leda Maria Codeco Barone é psicanalista e doutora em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP.