Psicanálise e Migração – a possibilidade de uma Clínica Transcultural
Home Blog sociedade Psicanálise e Migração – a possibilidade de uma Clínica Transcultural* Paula F. Ramalho da Silva, Stephania A. R. Batista Geraldini e Maria Cecília Pereira da Silva
De acordo com o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Organização das Nações Unidas (ONU), o número de migrantes internacionais chegou a 244 milhões em 2015, dos quais 20 milhões são refugiados. Para a Organização, um migrante internacional é alguém que mudou o seu país de residência; um refugiado internacional fez essa mudança forçadamente, geralmente por causa de conflitos armados ou perseguições.
No Brasil, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da População da Universidade Estadual de Campinas, entre os anos 2000 e 2015 foram registrados cerca de 870.000 imigrantes, quase 370.000 no estado de São Paulo, sendo o maior fluxo proveniente da Bolívia.
O evento migratório está em geral associado a questões socioeconômicas e políticas que se impõem ao migrante, mas ele não se resume a um ato social, é também um ato psíquico, e este conceito é fundamental para a clínica psicanalítica transcultural, que se torna cada vez mais relevante na atualidade.
O deslocamento do migrante pode ocorrer após ou por causa de rupturas traumáticas com o seu contexto externo e, mesmo quando não, traz ruptura e desorganização externa e interna; com frequência, ele é experimentado de maneira ambivalente – desejo e medo de partir, desejo e impossibilidade de permanecer, desejo de manter traços culturais que compõem a história do migrante e de sua família e necessidade de se adaptar a uma nova cultura num novo país.
Considerando essa especificidade, a psicanalista francesa Marie Rose Moro propõe um modelo clínico baseado na etnopsicanálise, que vem sendo utilizado na Clínica Transcultural ligada ao Centro de Atendimento Psicanalítico da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).
Os atendimentos na Clínica Transcultural da SBPSP são oferecidos a famílias de imigrantes. Em cada sessão, o grupo familiar se encontra com o grupo de profissionais, composto por um psicanalista/terapeuta principal, um psicanalista/coterapeuta, um tradutor, um psicanalista/terapeuta responsável por estar com as crianças, e por outros psicanalistas que trabalham no sentido de criar uma espécie de caixa de ressonância, construindo assim um continente para as demandas apresentadas, que podem então ser acessadas e (res)significadas.
Dessa maneira, podem surgir questões que dizem respeito ao desenraizamento, ao abandono das tradições, dos traços culturais, do local de origem, de membros da família; questões que dizem respeito às dificuldades de adaptação e integração; diferenças entre gerações e entre os membros da família frente ao processo migratório, especialmente quando as crianças já nascem no país para o qual os pais migraram e não conhecem o local de onde eles partiram. Não raro, apresentam-se questões associadas à parentalidade, acrescidas de complexidade à medida que pais e mães precisam dar conta de necessidades básicas para a sobrevivência da família, como alimentação, moradia e trabalho, enquanto não podem contar com uma rede de apoio composta por familiares e amigos que permaneceram no país de origem, não sabem até que ponto devem contar com sua herança cultural e ainda precisam justificar constantemente, para os filhos e para eles mesmos, a decisão de migrar.
Baseando-se na utilização complementar das matrizes psicanalítica e antropológica, no reconhecimento e respeito pelas características culturais de cada grupo familiar e, ao mesmo tempo, na compreensão de que, mesmo imerso numa determinada cultura, cada indivíduo mantém a sua singularidade, pressupostos da etnopsicanálise, a Clínica Transcultural procura dessa maneira acompanhar aqueles que atende na construção de significados em seu processo migratório.
Conheça a equipe da Clínica Transcultural do Centro de Atendimento Psicanalítico da SBPSP
Maria Cecília Pereira da Silva
Ana Balkanyi Hoffman
Diva Aparecida Cirluzo Neto
Fushae Yagi
Maria Augusta Gomes
Maria Cristina B. Boarati
Maria José DellAcqua Mazzonetto
Paula F. Ramalho da Silva
Stephania A. R. Batista Geraldini
Tania Mara Zalcberg
Maria Cecília Pereira da Silva épsicanalista, Membro Efetivo, Analista Didata, Analista de Criança e Adolescente e Docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Doutora em Psicologia Clínica e Mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUCSP. Pós-doutora em Psicologia Clínica pela PUCSP. Especialista em Psicopatologia do Bebê pela Universidade de Paris XIII. Coordenadora da Clínica 0 a 3 – Intervenção nas relações iniciais pais-bebê e da Clínica Transcultural do Centro de Atendimento Psicanalítico da SBPSP. Membro e professora do Departamento de Psicanálise de Criança do Instituto Sedes Sapientiae no curso Relação Pais-Bebê da Observação à Intervenção.
Stephania Aparecida Ribeiro Batista Geraldini é psicóloga, Membro Filiado ao Instituto Durval Marcondes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, membro da Clínica 0 a 3 – Intervenção nas relações iniciais pais-bebê e da Clínica Transcultural do Centro de Atendimento Psicanalítico da SBPSP, doutoranda do IPUSP, mestre em Early Years Intervention pela Tavistock and Portman NHS Foundation Trust, Especialista em Psicanálise com Crianças pelo Instituto Sedes Sapientiae.
Paula Freitas Ramalho da Silva é psiquiatra, Membro Filiado ao Instituto Durval Marcondes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, membro da Clínica 0 a 3 – Intervenção nas relações iniciais pais-bebê e da Clínica Transcultural do Centro de Atendimento Psicanalítico da SBPSP. Mestre em Psiquiatria e Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo.
*Imagem: Agência Brasil