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Precisamos estar mais próximos de nós mesmos

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Luiz Tenório Oliveira Lima mantém, em sua mesinha de cabeceira, um tomo de (ou sobre) Sigmund Freud, o pai da psicanálise, outro do francês Marcel Proust e um terceiro do poeta inglês W. H. Auden – porque, para ele, “razão e emoção não são incompatíveis”. Nestes tempos de isolamento social forçado pelo coronavírus, ambas precisam se equilibrar. Psicanalista, médico psiquiatra, escritor, professor e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Tenório também pode ser visto na Casa do Saber – não neste momento de quarentena. Lá, ele já ministrou cursos a respeito de a razão e a emoção andarem juntas, para que as pessoas possam enfrentar o presente distópico, o futuro freudiano e… a melancolia, a doença da bile negra, segundo Hipócrates. O remédio para a sensação de vazio e de estar em busca de um tempo perdido? Manter uma rotina de cuidados com a mente (“Tom Jobim aguçava a imaginação lavando a louça”) e disciplina – “a mesma que muita gente tem quando faz exercícios por conta própria”, afirma.

Tenório defende que aqueles que estão em análise continuem por vias digitais, como o WhatsApp, por exemplo, com o qual vem atendendo seus pacientes. A histeria, em muitos casos, parece investir sobre pessoas menos conectadas às suas emoções. “Essa falta de conexão leva à sensação de onipotência, e quando uma pessoa assim se vê confrontada com a realidade de estar só, geralmente entra em pânico”.

Auden, o poeta, perguntou certa vez: “O que fará o homem capaz de assobiar na solidão?”. Pois o freudiano Luiz Tenório tem algumas respostas. Aqui vão trechos da entrevista.

Como combater a angústia que surge em momentos como este, forçados a uma quarentena e com medo do novo coronavírus?
Em um momento como este, as angústias são ativadas em todos nós. Angústias antigas, de desamparo, de medo, de medo da morte. Grande parte das pessoas têm algum tipo de convivência, de contato, com essas angústias. Mas muitas outras não têm. São pessoas cujas angústias estão postas de lado, como se fossem negadas, em nome, talvez, de um sentimento de que a pessoa é inexpugnável. Essas pessoas, sem treino com a própria angústia, quando se encontram em situações como atual, assumem uma proporção, às vezes, histérica, excessiva. Excessiva no sentido de que a pessoa não percebe que a fatalidade existe, e que as limitações podem existir de maneira inexorável.

Essas limitações desencadeiam um certo desequilíbrio entre razão e emoção?
A questão que precisa ser posta é que razão e emoção não precisam ser incompatíveis. Se a razão aceita as emoções, se aceita o coração, como se diz, então se estabelece um contato com essas emoções. Quando a razão não aceita a emoção, então, por trás dessa razão, se esconde um sentimento terrível, que é o da onipotência. Quando uma pessoa que se imagina onipotente se vê confrontando a realidade, ela geralmente entra em pânico.

As pessoas estão em pânico por estarem enclausuradas ao mesmo tempo que não conseguem prever o futuro ou não?
Uma explicação possível diz respeito a isso, sim. A pessoa não tem o devido treino com as próprias emoções. O que significa isso? Para usar uma linguagem comum, o treino com a emoção acontece quando a pessoa, todos os dias, entra em contato com essa emoção, com os seus sentimentos – para que a razão, isto é, todo o aspecto racional dessa pessoa, possa acolher esses sentimentos. O que vemos em momentos como este é que um grande número de pessoas não tem esse treino e acaba “perdendo” o sentimento de onipotência, de invulnerabilidade. E isso é muito crítico.

Por quê?
Porque a pessoa acaba ficando alheada de si mesma, que é o pior tipo de alheamento. Você pode ser alheio a tudo, mas não de si mesmo. Caso contrário, esse feixe de emoções que cada um carrega fica sujeito, em determinadas situações, ao pânico. Em uma situação como esta da covid-19, que é muito grave, pelas consequências econômicas e pessoais, desestabiliza as pessoas. Se você não tem dentro de si algo estável, fatalmente vai se desesperar.

Tem mantido seus pacientes com sessões virtuais?
Estou trabalhando com quase todos os meus clientes por WhatsApp, cada um na sua casa. E esse contato faz todo o sentido. As pessoas estão com medo. E, quando estamos com medo, esse contato é fundamental. Estar em contato garante uma espécie de consciência de si próprio.

Como o senhor encara o seu trabalho, quando atende pessoas incapazes de entrar em contato com as próprias emoções?
Infelizmente, isso ocorre com frequência, ou com mais frequência do que se imagina. Muitas pessoas dizem “mas eu sou analisado”, “eu fiz análise tantos anos”. Mas isso não significa que desenvolveram o contato com as emoções. Porque uma terapia pode contribuir para o restabelecimento de uma pessoa em situação de crise pessoal, por exemplo. Mas, dependendo do caso, isso pode até reforçar nela o sentimento de onipotência, a menos que continue na análise. Isso eu posso dizer pela minha experiência, pelo tempo de trabalho. Análise não é coisa fácil, requer disciplina, requer que a pessoa se comprometa a ir às sessões. E nem sempre ela quer ir.

Só funciona quando o cliente/paciente passa a gostar da terapia?
Quando ele percebe que seus esforços estão enriquecendo sua experiência, quando ele se interessa pela análise, passa a se interessar também pela própria mente. Por exemplo: neste momento de confinamento, de isolamento, uma pessoa que tem a capacidade de conviver com a própria mente tem muito mais ferramentas para se proteger.

É como o trabalho do personal trainer para as pessoas que querem entrar em forma?
Essa é uma analogia muito boa. O personal te ajuda, há contato seu com os movimentos e o dinamismo do seu corpo, a flexibilidade e tudo mais. Com a terapia é a mesma coisa. Corpo são é sempre bom, mas a mente precisa de muito mais cuidados do que o corpo.

Como encarar este momento de quarentena?
É tudo questão de disciplina. Funciona para o corpo e funciona para a mente. E ter as ferramentas mentais certas. Por exemplo, em uma das últimas entrevistas do Tom Jobim, na casa dele, um jornalista perguntou como era seu ritual para compor. Ele respondeu: “Olha, uma das coisas de que mais gosto é lavar louça. Quando preciso de ideias, vou para a pia da cozinha. Começo a lavar alguns pratos e a minha imaginação voa”. Ou seja, se a pessoa tem o recurso mental, se valoriza a própria mente, imediatamente ela vai ser criativa, vai ter devaneios, vai usar a imaginação. Isso é possível para qualquer um de nós, contanto que tenhamos essa condição. Lembro-me de que o jornalista ficou um pouco desapontado, porque esperava que o Tom respondesse com poesia. Mas não. Bastavam algumas bolhas de detergente.

O ferramental ajuda, não?
Principalmente para evitar a histeria, o pânico, que são frutos do sentimento de onipotência. Que também é uma sensação de desamparo. Essa palavra é perfeita. Todos somos desamparados quando nascemos, mas recebemos amparo dos nossos pais, da família, das pessoas em torno. Então, nossas angústias encontram acolhimento. Quando crescemos, o desamparo se torna bem maior, porque não tem mais pai, não tem mais mãe. Podem estar vivos, mas não estão mais lá para nos acolher, pois nossas questões se tornaram por demais pessoais, e acabamos nos sentindo sozinhos.

Daí a necessidade do treino da mente e da terapia?
É preciso aprender a aceitar a dor, a amar a dor. Caso contrário, você se torna vítima do desamparo. Porque você não suporta, você tende a achar que a dor lhe é imposta de fora, por uma circunstância, pelo vírus, por exemplo. Não é o vírus que impõe às pessoas a dor mental, essa dor está presente o tempo todo na nossa mente.  O vírus está deixando muita gente sem dormir, com medo do desemprego e da paralisação da economia.

O que é fundamental para o ser humano?
O sono. Aliás, hoje isso é consensual entre os próprios médicos: o sono é a base, porque é a partir do sono que se sonha, e o sonho tem uma função mental importantíssima para estabilizar a pessoa, ou seja, tem uma base química também.

A mídia tem ajudado as pessoas nesse período difícil?
Acho que sim. Tenho visto muitas entrevistas com infectologistas, epidemiologistas, gestores da área de saúde, psicólogos, todas muito boas. Porque há muita necessidade de informação e ela precisa chegar às pessoas com uma linguagem que seja inteligível.

As pessoas hoje, ante as redes sociais, estão mais distantes de si mesmas?
Cada vez mais distantes. E a questão é que todos nós precisamos (ou precisaríamos) estar mais próximos de nós mesmos. Toda tecnologia, com as redes sociais, distancia a pessoa dela mesma. E isso é muito ruim. Não tem a ver com egoísmo, mas com sanidade, proteção. Uma pessoa só se é capaz de enxergar a outra quando consegue enxergar a si mesma.

Foto: Casa do Saber


Comentários

2 replies on “Precisamos estar mais próximos de nós mesmos”

MUNIRA MUSTAFA BAZZI AKROUCHE disse:

Parabéns pela entrevista. Muito pertinente com o momento e expandiu a visão da necessidade de estar consigo mesmo.Um exercício que é o alicerce do equilíbrio mental.

[…] Clique aqui para ler o artigo completo […]

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