Escola e Família: indagações e perplexidades em tempos críticos
Home Blog Cultura Escola e Família: indagações e perplexidades em tempos críticosDe perspectivas diferentes, a Educação e a Psicanálise se ocupam do desenvolvimento humano e o diálogo entre as duas áreas tem se mostrado cada vez mais produtivo. Nos dias atuais, com as novas tecnologias e perspectivas que desafiam todos nós, o papel da família e da escola na educação das crianças vem sofrendo profundas mudanças e gerando questões que necessitam urgente reflexão.
Sobre o tema, vale conferir abaixo a ótima conversa que tivemos com as psicanalistas e membros da SBPSP, Heloisa Ditolvo, Marina Bilenky e Silvia Deroualle, coordenadoras da 5ª Jornada de Psicanálise e Educação, no dia 26/09, na sede da SBPSP. O evento é imperdível tanto para psicanalistas como para educadores atentos às perplexidades da nossa realidade atual.
Por que uma jornada que reúne os temas Psicanálise e Educação?
A psicanálise e a educação são áreas de estudo que abordam questões que possuem intersecções. Partindo de diferentes perspectivas, ambas se interessam pelo desenvolvimento humano e entendem a necessidade de se cuidar e de se criar condições favoráveis para que esse desenvolvimento aconteça.
Quais as principais interfaces entre ambas?
Ambas procuram entender e trabalhar com o ser humano que vive dentro de uma cultura que lhe é própria e ocupam-se em instrumentalizar esse indivíduo para que possa ser reflexivo, crítico, criativo, capaz de utilizar recursos próprios.
Em nosso percurso, nas Jornadas anteriores, fomos constituindo a ideia de que tanto a Educação como a Psicanálise estão comprometidas com a construção de lugares produtores de sentido, de narrativas e, em última análise, com a construção do humano.
Em tempos de rápidas transformações e novos paradigmas, o que muda no papel dos adultos de educarem as crianças?
A tradição, o conhecimento passado através das gerações, não responde mais às inúmeras indagações que esses novos paradigmas nos propõem. Não possuímos um acervo de conhecimentos que nos auxilie a educar para o uso da internet, por exemplo. Como os problemas são novos, precisamos pensar novas soluções. Somos assaltados por situações no cotidiano que não podemos prever. Os adultos encontram dificuldade de exercer seu papel de autoridade diante de assuntos que não dominam.
Do ponto de vista da construção de conhecimento, como as novas tecnologias podem se tornar aliadas nesse processo?
As informações são muito acessíveis hoje. Mas é preciso discriminar informação de conhecimento. O conhecimento implica dar um lugar e um sentido para o novo conteúdo. É preciso cuidar para que essas informações não sejam meros dados repetidos ou decorados, para que possam se transformar em material incorporado com significado.
O professor tem esse papel fundamental tanto no sentido de educar para o uso das novas ferramentas, quanto no de construir o conhecimento junto com seu aluno. E a escola pode usar as novas tecnologias para tornar suas ferramentas mais acessíveis aos alunos. O processo fica mais dinâmico, as crianças podem ter maior autonomia com a disponibilidade de informação oferecida.
Com a difusão de tantas informações pela internet e uma maior disseminação de conhecimento, é possível pensarmos em um sistema mais horizontal de educação, em que a criança goze de maior autonomia? (em substituição ao modelo tradicional hierárquico). Isso inclusive já vem acontecendo em algumas escolas que partem de filosofias semelhantes à Escola da Ponte, em Portugal. A questão é se o modelo se tornaria sustentável em escala maior, não apenas em universos pequenos.
Isso já vem acontecendo em outras partes do mundo também. A Finlândia, cuja educação é considerada uma das melhores do mundo, mudou seu currículo mínimo para atender à nova demanda do mundo globalizado. A ideia é juntar as áreas de conhecimento, que seriam todas estudadas para a realização de projetos interdisciplinares, dando à criança maior autonomia para pesquisar e ênfase no trabalho em conjunto.
O adulto continua exercendo seu papel de autoridade nesse modelo, afinal não podemos negar que existe uma diferença hierárquica entre a criança e o adulto. O adulto precisa servir de referência à criança, orientá-la e ajudá-la a construir o conhecimento. O saber do adulto adquirido ao longo de sua vida é o que dá base para a sua autoridade.
Nossas crianças, as crianças do século 21, já nasceram dentro dos novos paradigmas; ou seja, são crianças com ferramentas digitais, mergulhadas no mundo virtual da internet. Como fica a criatividade e o brincar, temas tão caros para psicanalistas e educadores, em termos de construção da identidade dentro dessa nova realidade?
Para nos auxiliar nessa resposta, temos o documentário “Território do Brincar” (atualmente no circuito comercial) que faz uma pesquisa com crianças de todo o Brasil sobre o brincar. O que essa pesquisa nos mostra é que há preservação de muitas brincadeiras e que elas são as mesmas tanto para as crianças de “condomínio” das regiões sul e sudeste, como para as crianças do nordeste.
É surpreendente a criatividade das crianças, a preservação do imaginário e a grande habilidade motora. Essa pesquisa nos aponta que a criação, o imaginário, e a liberdade continuam sendo fundamentais na construção da identidade e do humano.
Parece que nossas crianças conseguem se movimentar tanto pelo mundo virtual como nas brincadeiras mais tradicionais que nos são familiares. A utilização das novas tecnologias representa avanços e resultados de desenvolvimento. Porém o excesso no uso ou o risco de uma substituição do real pelo virtual é que podem acarretar prejuízos na construção da identidade.
A existência de um universo virtual exerce que tipo de influência na construção e desenvolvimento de alguns aspectos da identidade? (ex.: ser popular na redes sociais pode contribuir para uma boa autoestima, ou vice-versa).
O nosso futuro é a utilização cada vez maior do universo virtual. Sob esta perspectiva as crianças e os adolescentes, durante a formação de suas identidades, certamente são influenciados pelas experiências nas redes sociais. Ser aceito ou não como “amigo” no Facebook, receber muitos “likes” ou não receber a quantidade que esperava, sofrer algum tipo de bulling na internet, obter um sucesso meteórico porém fugaz são algumas das situações vividas no mundo virtual e que por vezes escapam ao controle dos jovens. A entrada neste universo volátil e surpreendente precisa ser acompanhada e compartilhada presencialmente por alguém do universo afetivo da criança, que possa orientá-la e educá-la para usar esta ferramenta.
A criança internaliza figuras ao longo de seu desenvolvimento com as quais se identificará. É importante que sejam verdadeiras e reais e não espetaculares ou idealizadas como é comum encontrarmos no mundo virtual. Estas últimas certamente vão desapontar e frustrar oferecendo elementos não reais mas falseados e enganadores e que se apresentam como modelos impossíveis de serem atingidos..
O tempo de permanência que a criança fica conectada, a qualidade e natureza do material que ela acessa, a potência que os jogos imprimem no passar de fases, preparam a criança para enfrentar um opositor presencialmente?
Temos um instrumento muito poderoso, ferramenta útil, mas que deve ser usado com sabedoria.
A maior complexidade do mundo atual exige de nós mais recursos, do ponto de vista emocional? Ou é apenas uma questão de serem diferentes e outros recursos?
O mundo atual nos pede rapidez nas respostas, eficiência, performance. Com isso as pessoas tendem a agir de modo imediato, sem pensar, para dar conta da pressão. Sim, precisamos desenvolver mais recursos para lidar com tudo isso, para não nos vermos compelidos a agir de forma impensada só para responder às demandas que nos atropelam e pedem por respostas imediatas. Precisamos desenvolver ainda mais uma atitude reflexiva, poder nos dar um tempo para pensar melhor em cada situação de modo a poder ter respostas mais eficientes para aquele momento, mas que também sirvam para o longo prazo. Não precisamos de outros recursos, precisamos de um acervo maior de conhecimento para lidar com as novas situações a que somos expostos.