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Antonin Artaud e a Psicanálise

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* Daniel Dimand

Antonin Artaud nasceu em Marselha, em 1896, e morreu em Paris, em 1948. Foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro. Ligado ao movimento surrealista, seus escritos sobre teatro são considerados dos mais influentes sobre o assunto no século XX. As suas correspondências “revelam um homem em terrível estado de sofrimento, falando de sua dor, através de uma escritura mais íntima e espontânea”. Passou os últimos anos de sua vida internado em hospitais psiquiátricos.

Seria impossível abordar de forma abrangente uma vida e obra tão diversa e rica como a de Artaud. Aproveitando que, através de suas cartas, podemos recuperar algo da sua voz, considero que vale a pena apresentar um pequeno recorte delas, tentando uma relação com o olhar psicanalítico.

Na correspondência com Jacques Rivière, editor de uma importante publicação francesa, Artaud busca um interlocutor, alguém que o escute, com quem possa estabelecer uma relação de pessoalidade:

“Minha questão era talvez especial, mas era a você que eu a colocava, a você e a mais ninguém, por causa da sensibilidade extrema, da penetração quase doentia do seu espírito.”

Artaud se oferece de forma íntima e despojada nessa relação e mesmo o interesse literário fica em segundo plano:

“Você colocou o dedo em parte de mim; a literatura propriamente dita não me interessa muito (…)”

 A valorização do mundo interno surge de forma espontânea:

“Sei o tráfico das coisas aqui dentro”, ele declara com simplicidade para Rivière.

A dor da alma tem grande destaque, uma dor que ele não quer deixar de compartilhar:

“Sou um homem que sofreu muito do espírito, e por isso tenho o direito a falar.”

Sofrimento que, como ele enfatiza, também está no corpo, faz parte do seu dia a dia:

“Resta que eles não sofrem e eu sofro, não somente com o espírito, mas na carne e na alma cotidianas.”

O contato com o outro ser humano tem uma grande importância, mas ele não pode se dar de qualquer maneira. Há em suas palavras um clamor por uma escuta que não julgue, não confine, não reduza. Escreve ao editor:

“Eu me ofereci a você como um caso mental, uma verdadeira anomalia psíquica, e você me responde através de um julgamento literário de poemas aos quais eu não me apegava.”

A ideia de uma escuta isenta de julgamentos prévios é consideravelmente relevante. Tanto que reaparece em outra passagem, da mesma forma categórica como a anterior:

“É preciso não se antecipar a julgar os homens, é preciso dar-lhes crédito até no absurdo, até a borra.”

A singularidade do ser humano é também reivindicada. Assim ele se refere a si próprio:

“Esse homem, no entanto, existe. Digo que ele tem uma realidade distinta e que lhe dá um valor. Vamos condená-lo ao nada sob o pretexto de que ele só oferece fragmentos dele mesmo?”

Os escritos de Artaud nos desafiam constantemente a indagar sobre os limites que nos cercam: vida e obra, corpo e alma, palco e plateia, sanidade e loucura…

Esse últimos, assim como a fragmentação que Artaud identifica em si próprio e o conhecimento da própria realidade interna, psíquica, o aproximam novamente da psicanálise. O trecho seguinte de Freud apresenta esses elementos reunidos de uma forma que também desafia os limites preestabelecidos e nos faz questionar sobre as relações entre sanidade e loucura:

“(…) achamo-nos familiarizados com a noção de que a patologia, na medida em que aumenta e torna grosseiro, pode chamar a atenção para condições normais que de outra maneira não perceberíamos. Ali onde ela nos mostra uma ruptura ou uma fenda pode haver normalmente uma articulação. Se lançamos um cristal ao chão, ele se quebra, mas não arbitrariamente; ele se parte conforme suas linhas de separação, em fragmentos cuja delimitação, embora invisível, é predeterminada pela estrutura do cristal. Os doentes mentais são estruturas assim, fendidas e despedaçadas. Também não podemos lhes negar um tanto de temor reverencial que os povos antigos demonstravam para com os loucos. Eles deram as costas à realidade externa, mas justamente por causa disso sabem mais da realidade interna, psíquica, e podem nos revelar coisas que de outro modo nos seriam inacessíveis.”

Bibliografia:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Antonin_Artaud

A perda de si: cartas de Antonin Artaud, Seleção, organização e prefácio: Ana Kiffer; Tradução: Ana Kiffer e Mariana Patrício Fernandes. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Rocco, 2017 (Marginália)

Freud, S. (2006). Novas Conferências Introdutórias Sobre A Psicanálise, Conferência XXXI: A Dissecção da Personalidade Psíquica. In: Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro, Imago, v. XXII [1933 (1932)]

* Daniel Dimand Pereira de Azevedo é médico pela UFSCar, membro filiado ao Instituto de Psicanálise Durval Marcondes da SBPSP, voluntário no Serviço de Psicoterapia do IPq-HCFMUSP.



Comentários

One reply on “Antonin Artaud e a Psicanálise”

Luciana Saddi disse:

Ótimo texto! Fiquei contente em ver os frutos da DCC.

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